sábado, 12 de maio de 2007

Um novo pensamento social


Em um mundo cada vez mais laico e independente da tutela da religião, o homem é levado a pensar e analisar a realidade que o cerca em toda a sua objetividade, e não como resultado da vontade ou da justiça divina. E, assim como os pintores que se dedicam às minúcias das paisagens ou às medidas proporcionais das figuras numa perspectiva geométrica, os filósofos também passam a observar e a dissecar a realidade social.

O aparecimento de novas instituições políticas e sociais – as nações, os estados, as legislações e os exércitos – levam os estudiosos a repensar a vida social e a história, tornando evidente o papel da consciência, da vontade, do discernimento e da intervenção humana nos rumos dos acontecimentos.

Ao mesmo tempo, a emergência da burguesia comercial, com novas aspirações e interesses, exigia transformações políticas e sociais. Para dar espaço a elas, abandona-se a idéia de uma realidade social estática, de origem divina, em favor da concepção de uma vida social dinâmica e em permanente construção.

Nessa visão especulativa da vida social está o germe do pensamento social moderno que vai se expressar na literatura, na pintura, na filosofia e, em especial, na literatura utópica de Thomas Morus (A Utopia), Tomaso Campanella (Acidade do Sol) e Francis Bacon (Nova Atlântida).

As utopias

Como os gregos antigos, os filósofos renascentistas refletiram sobre a sociedade por meio de textos nos quais desenvolviam o modelo do que seria, aos seus olhos, uma sociedade perfeita.

Thomas Morus (1478-1535) concebeu a Utopia – uma ilha na qual os habitantes haviam alcançado a paz, a concórdia e a justiça. Significativamente, o autor batiza sua ilha de Utopia, nome que significa “nenhum lugar” – único espaço onde parece um dia ter reinado a harmonia, o equilíbrio e a virtude.
Em Utopia todos vivem sob as mesmas condições de vida e são responsáveis pelas mesmas tarefas e atividades, distribuídas entre eles por rodízio. A igualdade entre as pessoas e os ideais de vida comunitária são garantidos por uma monarquia constitucional que funciona da seguinte maneira: cada grupo de trinta famílias escolhe seu representante para o Conselho, que por sua vez elege o imperador para um mandato vitalício. Cada ato real é acompanhado pelo conselho, que consulta as famílias sempre que necessário. Assim como os privilégios e as obrigações, a repartição de alimentos também se dá de forma comunitária. Ninguém precisa pagar para obter os bens de que necessita, pois há de tudo em profusão – a vida é simples, sem luxo e todos trabalham.

Como obra típica do Renascimento, A Utopia, de Thomas Morus, expressa tanto idéias emergentes como reminiscências feudais: apresenta os mesmos ideais de vida moderada, igualitária e laboriosa praticados pelos monastérios pré-renascentistas, assim como defende, em termos políticos, a monarquia absoluta. Mas propõe ideais modernos que reconhecem a representatividade social como única fonte de legitimidade do poder e a necessária sujeição do soberano às regras que o consagraram. E, refletindo também outros anseios de sua época, Thomas Morus considera possível a realização do mundo ideal por ele proposto graças ao planejamento e intervenção de um rei – Utopos, o fundador da Utopia – cujo valor principal é a sabedoria.

Características da Utopia – Thomas Morus

Utopia - País imaginário, criação de Thomas Morus, escritor inglês, onde um governo organizado da melhor maneira proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz.
(Descrição ou representação de qualquer lugar ou situações ideais em que vigorem normas ou instituições políticas altamente aperfeiçoadas. Projeto irrealizável, quimera, fantasia (FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda).

Utopia vem dos termos gregos óu (não) e topos (lugar). Significaria literalmente “nenhum lugar”. Corresponde na história do conhecimento a essa evocação, por uma aspiração, sonho ou desejo manifesto, de um estado de perfeição sempre imaginário. Na medida, entretanto, em que a utopia enfoca um estado de perfeição, ela realiza, por oposição, um exercício de análise, crítica e denúncia da sociedade vigente.
Mas, apesar de seu caráter de evasão da realidade, a utopia revela uma apurada crítica à ordem social, podendo inclusive se transformar em autêntica força revolucionária, como indicam os grandes movimentos messiânicos vividos pela humanidade, ou seja, aqueles movimentos que têm por meta a redução da humanidade ou a salvação do mundo.

Características de Cidade do sol e Nova Atlântida – Tomaso Campanella

Cidade do Sol e Nova Atlântida seguem o mesmo modelo da Utopia pelo qual denunciam os males da sociedade – a rivalidade entre os homens, a injustiça e as desigualdades que, embora superados apenas pelo mito, já se apresentam como temas da reflexão dos humanistas e ideais de vida a serem perseguidos pelos homens.

Seriam essas, consideradas obras sociológicas? Certamente são diferentes dos estudos sociológicos que se desenvolveram mais tarde, mas já expressam as reflexões dos filósofos diante da vida social e dos problemas de sua época – as desigualdades sociais e o abuso de poder dos soberanos. Analisar a sociedade em suas contradições e visualizar uma maneira de resolve-las, acreditar que da organização das relações políticas, econômicas e sociais derivam a felicidade do homem e seu bem-estar é, seguramente, o germe do pensamento sociológico.

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